NATAL: OITO ANOS MORANDO NA UTI


Depois dos três meses de vida, Carlos Daniel, atualmente com 8 anos, nunca mais saiu do ambiente hospitalar. Desde que foi diagnosticado com distrofia muscular, o garoto está internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) pediátrica do Hospital Pediátrico Maria Alice Fernandes, na zona Norte de Natal. Carlinhos, como é chamado pela equipe médica, é uma das crianças com doença crônica que dependem de ventilação mecânica para sobreviver. Nas palavras de médicos e enfermeiros, são os chamados "moradores da UTI".

Carlos Daniel mora há oito anos na UTI do hospital Maria Alice Fernandes, zona Norte de Natal (Foto: Felipe Gibson/G1)

Dos dez leitos da UTI pediátrica, cinco estavam ocupados por crônicos no Maria Alice Fernandes. Outros pacientes com o mesmo problema ocupam quatro dos dez leitos do Hospital Infantil Varela Santiago.  Sem perspectivas de alta, as crianças ficam em vagas que poderiam ser destinadas a pacientes agudos. "Apenas metade dos leitos têm rotatividade", explica o diretor geral Wilson Cleto, que espera o remanejamento de novos profissionais para colocar em funcionamento uma nova UTI recém-construída e específica para os pacientes crônicos.

A médica plantonista Vanessa Pache da Rosa explica que as crianças são vítimas de anoxia - ausência de oxigênio no cérebro - ou distrofia muscular. "No caso de Carlinhos, ele tem uma distrofia que evolui progressivamente diminuindo a movimentação. Afeta membros e respiração, chegando a um ponto que os pacientes só sobrevivem com ventilação mecânica", conta. A pediatra lembra que além do problema dos leitos, a permanência dos pacientes crônicos na UTI traz riscos de infecção no ambiente hospitalar. De acordo com a médica, os pacientes com distrofia muscular não costumam passar da adolescência.

Carlos Daniel mora há oito anos na UTI do hospital
Maria Alice Fernandes (Foto: Felipe Gibson/G1)
Natural de Bento Fernandes, município a 88 quilômetros de Natal, Carlos Daniel não fala e só move um dedo de cada mão. Ele é o quarto dos cinco filhos de Michele Gomes da Silva, 35 anos, que vendeu a casa no interior para acompanhar o filho na capital. “Consegui um emprego e vim sem saber se ia dar certo. Ficava o dia todo no hospital”, diz a mãe, que hoje visita com menos frequência o filho. Michele justifica que o dia a dia ficou mais complicado depois que o marido a deixou.

Desempregada, a mãe sustenta a família com os benefícios do INSS de Carlos Daniel e do Programa Bolsa Família, o que dá R$ 908 por mês. Mesmo sabendo da falta de perspectivas de melhora, Michele não deixa de sonhar com a saída do filho do hospital. “Gostaria que ele ficasse bom, mas depende da vontade de Deus. Se fosse pela equipe médica, isso já teria acontecido. Todos têm o maior amor por Daniel”, diz.

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A doença chega a um ponto em que os pacientes só sobrevivem com respirador"
Vanessa Pache, pediatra
A pediatra Vanessa Pache explica que Carlinhos se comunica mexendo a barriga, pelo olhar e também com os dedos. "Ele responde a estímulos, reconhece as pessoas e se emociona. Percebe até quando chegam pacientes novos na UTI. Com esse pouco movimento ele consegue ter contato conosco", afirma a pediatra.

Enfermeira do hospital desde que a criança chegou na UTI, Maria de Fátima Martins de Araújo lembra que o "xodó da UTI" foi perdendo os movimentos gradativamente. "No início ele conseguia sorrir para nós", relata. Maria de Fátima conta que Carlinhos gosta da banda Calypso e se chateia quando desligam a televisão. Todos os anos, a equipe médica e a família comemoram o aniversário do garoto, com direito a decoração, bolo e lancheira.


Mães vão à Justiça por filhos em casa

No Hospital Infantil Varela Santiago está a pequena Débora, 2 anos, um caso diferente em relação às demais crianças com doenças crônicas. A médica plantonista Ozenir Pinheiro do Nascimento explica que a menina foi diagnosticada inicialmente com distrofia muscular, no entanto o quadro não evoluiu. Apesar de não mover as pernas e precisar de ventilação mecânica, Débora mexe os braços, sorri, faz birra e até paquera piscando os olhos.

Internada na UTI há dois anos, a menina Débora sorri, brinca e até faz birra (Foto: Felipe Gibson/G1)Internada na UTI há dois anos, a menina Débora sorri, brinca e até faz birra (Foto: Felipe Gibson/G1)
Assim como Carlos Daniel, a menina está na UTI desde os 3 meses. A mãe Maria da Conceição da Silva, 25 anos, conta que dorme em casa dia sim, dia não, para estar ao lado da filha. “Meu desejo era que os governantes nos ouvissem para levar Débora para casa. Ela está bem, só tem esse problema do respirador”, afirma Conceição, que promete entrar na Justiça para conseguir o serviço Home Care – que garante toda a estrutura para o paciente ser atendido em casa.

G1 RN

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