ENTREVISTA COM CIRO GOMES

O Tempo, Belo Horizonte, MG
O ex-governador do Ceará, Ciro Gomes, visitou a cidade de Belo Horizonte e concedeu entrevista à imprensa mineira .
Leia a seguir as principais declarações de Ciro Gomes.
“Nosso projeto de Brasil une quem produz a quem trabalha”, disse.
Ele também fez uma análise sobre o panorama eleitoral para 2018 e fez duras críticas ao governo Dilma (PT) e ao prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), a quem classificou como pessoa sem currículo e sem condições de presidir o país.
Ministro, você está costurando sua pré-candidatura à presidência no ano que vem. Qual o papel de Minas, o segundo maior colégio eleitoral do país, neste processo?
Não é só que Minas tem o segundo maior colégio eleitoral, mas quem conhece a história brasileira sabe que aqui é o sincretismo do país.
É o sincretismo econômico, cultural, a unidade.
Aqui não prospera o estigma contra o nordestino porque o Norte de Minas é um pedaço do Nordeste que os mineiros tomam conta.
Você tem uma São Paulo pujante e rica ali no triângulo, Uberlândia é um centro econômico no país.
Em Araguari há o melhor café do mundo.
Muriaé é uma espécie de centro-oeste.
Todas as expressões do país se encontram aqui
. O Rio está em Juiz de Fora.
Há um agronegócio muito diversificado, há o turismo nas cidades históricas.
Em 1930, o Brasil revogou a velha república, que proibia as mulheres de votar, mantinha o poder aos coronéis, e Minas, com Andrada, insulta Getúlio Vargas e pare a revolução que criou o Brasil moderno.
Como foi feita a escolha para visitar Minas neste início de pré-campanha? O ex-presidente Lula optou por viajar pelo Nordeste.
Nunca perdi uma eleição no meu Estado, o Ceará é o oitavo estado do país e eu nunca perdi lá.
É um povo que perdoa todos os meus defeitos, nenhum deles é moral, e então me orgulho muito disso.
Temos lá as finanças mais sólidas do país, não só pelo meu trabalho mas porque ajudei a formar lideranças.
Já em Minas, veja bem, Aécio foi derrotado por Dilma.
Há uma ilusão de que o fenômeno Lula é regional no Nordeste.
Tenho muito respeito por Lula, mas acho que a presença de Lula no processo eleitoral de agora é um desserviço a ele e ao Brasil.
Por quê?
Porque o país está em pandarecos.
No momento que estamos aqui conversando, há 14 milhões de brasileiros desempregados, fora outros reprimidos no trabalho informal.
Há um genocídio ocorrendo contra os jovens pobres e negros em todas as cidades, embalados pelo narcotráfico.
Se somar isso ao drama da saúde, e as causas disso, que não se conversa com o povo. Estão desindustrializando o país.
O Brasil precisa, suplica, que tenha um debate sobre isso.
Não há saída sem debate, não tem golpe de frase feita, não tem “bandido bom é bandido morto”, ou então “vou chegar lá e acabar com a corrupção”.
Já governei a economia do país como ministro da Fazenda, sei do que falo, enquanto isso há gente dando opinião e falando sem parar sem saber de nada, sem sequer ter um especialista do lado.
É uma das coisas que me fizeram a voltar pra política, eu havia me afastado.
Na questão econômica, muitos apontam falhas de Guido Mantega na condução da economia durante o governo Dilma. Você não é de uma escolha semelhante a dele?
De forma alguma, nem parecida.
A Dilma praticou uma escola fiscal como gente que não entende nada da área.
O Guido também ficou perdido.
Mas é aquele negócio, o Churchill, que foi primeiro-ministro da Inglaterra, avisava sobre o crescimento de Hitler, sobre a anexação da França pela Alemanha, sobre o nazismo, o pacto com Stalin, e todos o chamavam de bocão, de exagerado.
Aí pouco tempo depois, quando a ‘merda’ aconteceu, chamaram quem pra resolver?
Chamaram ele, é o cara que viu tudo antes.
No caso da Dilma eu falei com clareza.
O problema do país antes não era fiscal, mas ela não entendeu as consequências para o Brasil na crise de 2008.
A crise durante o governo Lula foi basicamente uma redução de crédito, aí os bancos saíram do financiamento e nós corremos com BNDES, Caixa, tudo para estimular o consumo.
E isso atenuou o efeito da crise. Já em 2013 não era essa a cara da crise, o Mantega leu mal a crise.
O que aconteceu é que o Brasil tem uma matriz econômica muito dependente dos importados, todos os equipamentos de computador, a fibra da nossa roupa, tudo, é importado, 80% dos remédios.
Isso gera um rombo que pressiona sempre a desvalorização do real. O povo não compra dólar, mas come pão.
Pra fazer pão se usa trigo, e trigo a gente não produz.
Aí compra trigo de fora com dólar.
Pra você ver, quando Lula entregou o poder pra Dilma o dólar estava R$ 1,75, quando Dilma saiu, o dólar estava R$ 4 pelo mesmo trigo.
O preço da passagem de ônibus é diesel, e há uma política estúpida de não produzir aqui.
Tudo isso aconteceu quando os produtos que exportamos parou de sair.
O minério de ferro, o barril de petróleo, tudo isso mudou completamente de preço, desvalorizou-se os nossos produtos.
Fazer com a economia deixe de ser baseada em commodities não é uma mudança fácil, não é
Difícil, de longo prazo, mas inadiável.
O povo não pode acreditar, claro, que é fácil de fazer um cavalo de pau pra arrumar as coisas de repente.
Não quero ser nenhum herói também, só falo para as pessoas pensarem, participar do debate. Era mais fácil, claro, só falar mal do Temer, bajular o povo e tudo.
Mas precisamos entender a crise, debater a desmoralização da política.
O povo está desacreditado da política praticamente de forma geral, por causa da roubalheira mesmo, por ladroeira e a sensação de que político só presta em véspera de eleição.
Você disse que não dá para resolver a crise econômica em curto prazo. Quando você acha que a crise sairá de vez e quando a economia ficaria em um ponto ideal?
Curto prazo não há, mas em seis meses de governo dá pra melhorar muito a situação.
O que precisa ser objetivado como meta é ter estabilidade mas com um pacto junto do povo.
Fernando Henrique não fez isso e saiu desmoralizado do governo.
Lula conseguiu fazer e elegeu Dilma como sucessora por conta disso.
Dilma saiu do jeito que saiu, e o PT está pagando o preço, a pretexto porque não fez isso. Itamar fez isso tudo também e sem precisar comprar deputado, e enfrentando uma mídia de oposição muito forte.
Até foto de baixo pra cima com a namorada sem calcinha para desmoraliza-lo.
Essa turma da dinheirama que ganhava muito dinheiro com a inflação ficou irritada porque Itamar começou a combater a inflação.
Hoje precisamos é de um projeto nacional, para cobrir os milhões de garotos e garotas que chegam ao mercado de trabalho todo ano e dar novas oportunidades de reinserção para as pessoas de meia idade, que estão sendo trocadas por máquinas, precisamos crescer 5% ao ano por baixo.
De 1980 pra cá crescemos em média 2%.
A China, em 1980, representava menos que o Brasil no mercado mundial mesmo tendo muito menos população.
Eramos muito mais ricos e desenvolvidos que eles.
Hoje o Brasil representa 1% do mercado mundial e a China foi para 12%.
O que aconteceu neste meio tempo?
Destruímos a nossa política desenvolvimentista através de uma lógica que nos foi vendida como ciência boa.
esultado, abrimos mão do desenvolvimentismo acreditando que a força da gravidade, que a iniciativa privada iria melhorar as coisas. O resultado prático está aí.
A nossa indústria perdeu força. Estamos retrocedendo para as primeiras décadas do século passado.
O Brasil está com blocos fortes de mercado para voltar a crescer, como petróleo, gás, complexo industrial do agronegócio, complexo industrial da Defesa.
Aliás, é bem grave o que Temer está fazendo, de forma canalha, convidando as tropas americanas para fazer manobras na Amazônia brasileira na fronteira com a Venezuela.
Isso viola uma tradição militar centenária, Duque de Caxias deve estar se revirando no túmulo.
Quem é que aceita uma coisa dessas?
Força estrangeira fazendo manobras em território brasileiro, em tempos de paz, justamente na Amazônia?
Esse canalha, não há outra palavra para quem vende a pátria, ele revogou uma reserva que é do tamanho da Dinamarca para entregar às mineradoras multinacionais.
E essa reserva quem criou foi a ditadura militar, não é coisa de esquerdista marinista não.
Foi o regime militar porque é uma área rica em recursos minerais e população indígena.
Há outro bloco também sobre a indústria da saúde.
O Brasil, nosso governo, esse ano, está comprando do estrangeiro 17 bilhões de dólares para comprar cadeira de rodas e outros equipamentos de empresas de fora.
Mas se fizer uma pesquisa de mercado em Governador Valadares, se você investe na indústria de lá, você gera emprego aqui, você financia empresas daqui.
Há uma análise de que seu temperamento forte tem afetado na popularidade. Você estaria disposto a reformular sua imagem para a eleição?
Marinheiro que vai pro mar, não pode reclamar do mar.
Quer descer pro playground, tem que saber brincar.
Então um cara que já foi deputado, foi prefeito, governador mais jovem da história do país, ministro da fazenda mais jovem da história, entrava em restaurante sob aplausos, não tem um escândalo na minha vida, o que é minha obrigação.
Então tem o que pra me criticar?
Não sou corrupto, não sou incompetente, aí sobrou isso de destemperado, de bocudo.
Há uma estrada longa até a eleição, então pode ter certeza de que farão de tudo para me atingir desta maneira.
Querem antecipar a eleição para manipular com pesquisa, abater moral de militante, pro povo não acreditar.
Mas o Brasil está se rebelando.
A imprensa de Minas agora não tem compromisso algum com essas conspirações que fazem em São Paulo, a imprensa gaúcha também não.
Aí não tem prefeito de São Paulo querendo aparecer mesmo nunca tendo sido nada, nunca tendo pisado em fazenda, em roça, não ter atendido um balcão de negócios.
E é milionário, agora governando São Paulo pelo celular.
Aí fica inventando que é a nova política.
É uma picaretagem antiga, o Cesar Maia já fazia isso no Rio, se vestir de gari, uma vergonha.
Daqui a pouco vão questiona-lo se ele é governador do Rio Grande do Norte.
Quando você vai escolher o médico do seu filho, você analisa currículo, onde trabalhou, com quem ele formou.
Mas no Brasil há um culto a ignorância.
O cabra se considera autorizado de enganar a população deste jeito.
Qual a sua avaliação da tramitação em tempo recorde da condenação de Lula no TRF?
O ideal da justiça é a celeridade.
Que coisa estranha essa narrativa de perseguido político passa um pouco do limite.
Se eu fosse acusado pelo MP, mais do que suplicaria uma apuração.
Eu não teria coragem de colocar a cara na rua sendo suspeito de algum crime.
Lendo o processo, como professor de Direito que também sou, não consigo visualizar sustentação naquela sentença.
Ela é inconsistente.
Fica simples, aliás, se você tem uma prova que demonstra uma acusação, não são 208 páginas, é uma só.
A sentença é fraca.
Ao invés de reclamar que o expediente foi rápido, tem que reclamar que precisa ser rápida assim para todos.
Se eu for algum dia acusado, quero ser avaliado até fora dos prazos.
Se eu tiver segurança que não fiz nada errado, que seja ligeiro.
É a minha posição, é o que o Itamar Franco fez.
O Hargreaves, que era seu braço direito, foi acusado de corrupção injustamente e o Itamar o afastou no mesmo dia, e ainda pediu celeridade na CPI.
Foi o que eu fiz como governador também, tive três secretários acusados. Será assim se eu for presidente.
Se o camarada for culpado, aí é problema da polícia. Se for inocente, volte tranquilo.
A política é assim, todos estão sujeitos a sofrer calúnia, a ser acusado injustamente.
E se ele não disputar a eleição, você passa a se o grande nome da esquerda na eleição?
Não defendo que o país tenha que ter um projeto de esquerda.
A nossa economia, nossas relações internacionais, tudo isso não compreende um projeto de esquerda sectária e ultrapassada.
Por isso o trabalhismo, o PDT principalmente, nunca deixou de reconhecer a importância do mercado privado.
Aliás, sempre tivemos uma briga histórica com os comunistas por conta disso. Getúlio, Goulart, Brizola, todos tiveram problemas com os comunistas.
Nosso projeto é unir quem produz com quem trabalha, reindustrializar o país e sanear as contas dos Estados, como é o caso de Minas por exemplo.
É um compromisso que faço.
O que se constrói como narrativa para 2018 é uma polarização esquerda-direita, talvez alguns mais extremos como Bolsonaro. Como desconstruir esse panorama?
Tem que ter paciência, esse é um quadro de ativistas, de militantes, não é uma coisa reflexiva do país.
O problema do Jair é que ele tem 26 anos como deputado.
Fui colega dele e uma vez me disse que votou em mim em 2002.
Ele representou a vida inteira um segmento, o militar aposentado.
Ele representava esse povo.
De um tempo para cá ele aumentou a defesa para a classe militar inteira, principalmente com os ataques sobre os abusos ocorridos depois de 64.
É um cara politicamente incorreto, tem aquelas frases famosas, ele vai dizendo as maluquices que vem na cabeça.
Se me chamam de destemperado, como vamos classificar ele?
O Ariano Suassuna brincava assim: ‘li no jornal que o Chimbinha, da banda Calypso é um gênio. Se for assim, como vou classificar o Beethoven?’.
O Jair é a negação da política, o protesto.
Não por acaso o eleitor dele é homem, jovem, desempregado, sem amor, sem afeto, que tem um apelo de autoridade meio difuso, uma negação da política careta.
É um pit stop, daqui a pouco as pessoas vão questionar sobre quem vai gerar emprego, quem vai administrar economia, taxa de juros, financiamento, quem vai desenhar um modelo de saúde pública.
Aí ele começa a cair.
Meu palpite é que 2018 será semelhante a 1989. Teremos de quatro a seis candidatos competitivos, entre 10% a 20%.
Acho que o Lula não será candidato, não por condenação, mas por considerar que o momento não é para isso.
E aí a reta final será definida pelo debate.
No Brasil nunca houve debate direita-esquerda. O Collor ganhou por ser um moralizador novo.
A tendência do povo, pelo desastre que foi o Sarney, era buscar um salvador, um moralizador.
Era um fim de ciclo. Agora vivemos outro fim de ciclo.
Como desconstruir a imagem destes candidatos? Em uma campanha muito curta, você faz uma análise complexa.
É muito complexo mesmo, mas a campanha formal é apenas um apurado da política.
Ali por dezembro, por exemplo, quando o PSDB definir pelo Alckmin, vai ter pressão para romper com o Temer. Para simular que eles não tem nada a ver com o desastre que está aí.
Na hora que ele se situar, ele vai desidratar o Dória. Ele é uma direita respeitável.
Não consigo chamar o Alckmin de canalha.
Não concordo com nada com ele, mas respeito e dá pra debater com ele, é outro nível de debate.
Vai defender a privatização, mas pelo menos tem um debate. As correntes de opinião também não são tantas.
O voto de centro-esquerda vai tensionar entre eu e Lula, mas não quero ir para o caminho fácil da popularidade.
Nas últimas eleições o PT foi varrido das cidades brasileiras, já eu nunca perdi uma eleição na minha região.
Não disputei nada mas a turma que ganhou é tudo da juventude da minha ala.
Bate-papo rápido. Você sofre preconceito por ser nordestino?
Uma parte sim, mas é pouca coisa.
Uma vereadora do Rio Grande do Sul falou uma bobagem, mas um cabra do sertão do Ceará também fala bobagem.
Mas aqui há uma identidade cultural que nós faz muito irmãos. Em Minas sou recebido como filho há mais de 25 anos.
Casamento gay, a favor ou contra?
Não podemos ser contra qualquer forma de amor.
Aborto?
É uma tragédia humana, social, moral, religiosa, mas o Estado não pode entrar no meio para agravar essa tragédia, só se for para proteger e agasalhar.
Quem tem que decidir isso é a mulher.
Legalização das drogas?
Sou candidato a presidente, não de guru de costumes.
Respeito todas as opiniões, as igrejas são contra, e eles são meus aliados no enfrentamento da pobreza.
Então não quero ser guru.
Mas o usuário não pode ser reprimido.

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