ANÁLISE DOS PROTESTOS
O último dia 15 foi marcado pela surpresa. Antes mesmo de o governo
Jair Bolsonaro completar cinco meses, centenas de milhares de pessoas
foram às ruas contra os cortes de verba na Educação. A manifestação
marcou o fim simbólico do período de apatia pós-eleitoral. Os protestos,
com forte caráter espontâneo, emergiram após o ministro da Educação,
Abraham Weintraub, provocar a sociedade dizendo que o contingenciamento
de 30% seria focado nas universidades em que houvesse “balbúrdia” ou
“gente pelada dentro do campus”.
O sucesso da primeira manifestação parece ter inebriado os núcleos
mais organizados, UNE à frente, que prontamente convocou outro protesto
para duas semanas depois. A movimentação seguiu o slogan
#amanhãvaisermaior, que reinou nos protestos brasileiros desde 2013. A
presidente da organização estudantil chegou a afirmar no Congresso que
os estudantes iam seguir nas ruas e Bolsonaro e Weintraub não dormiriam
mais “em paz”. Só que a tarefa de manter a sociedade em permanente
mobilização, especialmente em relação a um governo recém-eleito, não é
simples.
As manifestações desta quinta-feira, embora relevantes e espalhadas
pelo país, acabaram sendo menores que as de duas semanas atrás — e
ocorreram apenas quatro dias após o bolsonarismo mostrar nas ruas que
ainda tem vigor popular.
Após a grande manifestação de 15 de maio, o governo se esforçou para
conter a insatisfação. Bolsonaro chegou a reconhecer ter exagerado ao
atacar os manifestantes, e Weintraub foi ao Congresso explicar o que
pretende fazer à frente do ministério. Mais importante: o governo se
esforçou para fazer prevalecer a narrativa de que não havia corte, e sim
contingenciamento, e que o montante não era de 30%, mas sim de 3%. São
duas formas de ver os mesmos dados, mas o discurso diversionista pode
ter surtido algum efeito.
Independentemente da guerra ideológica que se vê nas ruas, a vida
real dos estudantes começou a ser efetivamente afetada nos últimos dias.
Várias universidades públicas já estão informando a seus estudantes que
não haverá verbas para congressos e pesquisas. A tendência é que o
quadro siga piorando.
E é na piora da vida da sociedade que está a ameaça a qualquer
governo. A educação é um desses aspectos, mas há outro mais importante: a
situação financeira das famílias. Ontem, o IBGE divulgou que o PIB
ficou negativo no primeiro trimestre deste ano. É palpável a frustração
dos empresários, que apoiaram massivamente Bolsonaro nas eleições, ante a
incapacidade do governo em montar uma coalizão que gere confiança em
relação ao futuro econômico do país.
Os protestos pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff
estenderam-se por mais de um ano, e não seguiram uma trajetória
crescente todo o tempo. Mas sua resiliência, que acabou contaminando o
Congresso, se deu por uma razão simples: na vida real, as pessoas viram
sua renda cair e seus empregos desaparecerem. A educação é a ponta do
iceberg anti-Bolsonaro, mas há muito mais abaixo da linha d’água.
Paulo Celso Pereira / O GLOBO
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