A ROTINA DE LULA NA PRISÃO

No final da manhã do último dia 1º de março, uma sexta-feira véspera de Carnaval, o agente da Polícia Federal (PF) Jorge Chastalo Filho participava de uma operação quando foi informado que Arthur, 7, neto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), havia sido internado em um hospital de São Bernardo do Campo (SP).
Responsável pela carceragem da PF em Curitiba, o agente desconhecia a gravidade do caso e decidiu terminar aquela tarefa de rua e avisar o ex-presidente ao retornar à Superintendência da PF.
Minutos depois, porém, recebeu nova mensagem. Arthur havia morrido —o hospital divulgou que ele foi vítima de meningite meningocócica; o ex-ministro e deputado federal Alexandre Padilha (PT) negou neste sábado (30) esse diagnóstico, mas não revela a causa; a família não comenta.
Neste próximo domingo, dia 7 de abril, Lula completará um ano preso. Nesse período, segundo pessoas que o acompanham, os momentos mais felizes foram ao lado do neto. Nas duas vezes em que o menino visitou o avô, filhos e noras foram deixados de lado, e Lula passou o tempo todo brincando com Arthur no chão da cela e na cama. Comunicar a morte da criança seria um momento dramático.
O agente Chastalo interrompeu a escolta e acionou, pelo rádio, o colega que estava de plantão. Determinou que Lula fosse retirado da cela imediatamente para que não houvesse risco de ele saber da fatalidade pela TV. O tempo estava nublado na capital paranaense, e o ex-presidente estranhou a ordem para sair para o banho de sol.
Em poucos minutos, Chastalo e o superintendente da PF, Luciano Flores, estavam diante de Lula. Manoel Caetano, advogado que visita o petista diariamente, foi quem lhe deu a notícia. “Presidente, seu neto Arthur morreu.”
Lula fixou o olhar no advogado e repetiu três vezes a pergunta: “O Arthur?” Caetano confirmou. “Como pode uma criança de sete anos morrer assim?” Não houve resposta. Lula começou a chorar. Com idas e vindas, aquele pranto durou mais de 12 horas, segundo as pessoas que o acompanharam naquele dia.
O ex-presidente já havia enfrentado duas perdas na cadeia: a morte do amigo Sigmaringa Seixas, advogado e ex-deputado petista, e do irmão mais velho, Genival Inácio da Silva, o Vavá.
No último caso, o petista se manteve firme, apesar do luto e da novela que se transformou o pedido de autorização para que ele fosse ao velório do irmão, vitimado por um câncer. A juíza Carolina Lebbos, que regula o cumprimento da pena de Lula, negou o pedido. Quando o presidente do STF, Dias Toffoli, deu a autorização, o corpo estava prestes a ser sepultado. Lula não se despediu do irmão morto.
No caso de Arthur, a autorização a Lula foi dada no mesmo dia e, na manhã de sábado (2), ele embarcou em direção a São Paulo. O ex-presidente já se mostrava mais sereno e calculava o que diria para os pais do menino. Falou aos policiais federais que precisava confortá-los. “A Marlene é uma ótima mãe, não pode se sentir culpada”, disse, antes de seguir para São Bernardo.
Logo após a cerimônia, uma foto em que Lula dá um sorriso ao embarcar no helicóptero que o levaria de volta à prisão se espalhou pelas redes sociais acompanhada de legendas que o acusavam ser insensível à morte do neto.
Uma distorção, segundo um policial que o acompanhou. Naquele momento, segundo o agente, Lula teria ironizado a própria sorte, questionando se o helicóptero aguentaria até o final da viagem.
Há um ano, Lula vive isolado num espaço de 15 metros quadrados no quarto andar da Superintendência da PF.
O dormitório, antes usado por policiais em viagem, não tem grades e se resume a banheiro, armário, mesa com quatro cadeiras, esteira ergométrica e um aparelho de TV com entrada USB e que só sintoniza canais abertos.
Durante a semana, na parte da manhã, conversa por uma hora com o advogado Luiz Carlos da Rocha, o Rochinha. Na parte da tarde, fala com Manoel Caetano pelo mesmo período. Todo o resto do tempo permanece isolado dentro do quarto.
Às quintas-feiras recebe parentes, à tarde, e dois amigos, geralmente políticos, pela manhã. Ele sai três vezes por semana para o banho de sol. Circula num pequeno espaço de 40 metros quadrados onde antes funcionava um fumódromo, no terceiro andar.
Até janeiro, Lula recebia líderes religiosos, mas a juíza Carolina Lebbos proibiu esses encontros, apesar de a Lei de Execução Penal prever o direito à assistência religiosa. No lugar haveria uma consulta com um capelão da própria PF, mas isso não aconteceu.
“Ele conversava com padres, pastores, budistas, umbandistas, gente de todas as religiões. Encontrar com eles o deixava mais animado. Ele passa a maior parte do tempo sozinho, isolado na cela. O fim desses encontros foi triste para ele”, diz o advogado Rocha.
Lula acorda sempre antes 7h. Ouve o “bom dia, presidente”, gritado por militantes do acampamento Lula Livre, que fica num terreno em frente à PF. “Esse negócio dá um ânimo para ele”, diz Gilberto Carvalho, amigo e chefe de gabinete dos tempos de Presidência (2003-2010).
Às 8h, o agente Chastalo destranca a porta do quarto. Invariavelmente encontra Lula vestido com uma camisa do PT ou do Corinthians. Três vezes por semana o agente mede o índice de glicemia no sangue do ex-presidente, que é pré-diabético. O glicosímetro que Chastalo usa, uma maquininha dessas de furar o dedo e que é vendida em farmácias, foi dado pelos familiares do petista.
Quando há alguma alteração nesses dados, Chastalo confisca doces que encontra na cela. Ouve de volta um palavrão de Lula, em tom de brincadeira. O ex-presidente toma todos os dias uma cápsula de Glifage, cujo princípio ativo é o cloridrato de metformina, medicamento que abaixa o nível de glicose no sangue.
De resto, não há restrições à alimentação. Lula come a mesma refeição dos outros presos. O agente sempre toma o cuidado de pegar uma marmita aleatoriamente na caixa que serve os presos da carceragem toda da polícia.
Durante o período preso, Lula consultou-se pelo menos três vezes com seus médicos na própria cela. Eles mantêm contato direto com Chastalo, que é quem tem convívio mais frequente com ele. Antes de ser preso, Lula já havia parado de fumar e adotado o hábito de fazer exercícios.
Na prisão, anda na esteira quase todo dia e ganhou elásticos de ginástica para fortalecer braços e pernas. Lula tem na cabeça sequências de exercícios que seu personal trainer, Márcio, passava quando estava livre. Mas conta com dicas dos agentes quando faz algo errado. Quando algum deles vê que ele faz um movimento repetitivo que pode causar uma lesão, trata de corrigir os movimentos e a postura do petista.
Nas eleições do ano passado, a cela virou escritório político. O presidenciável Fernando Haddad e outros petistas com diploma de advogado, como o ex-deputado Wadih Damous e o ex-prefeito de Osasco Emídio de Souza, receberam procuração para defendê-lo em seus processos. Com isso, podiam encontrá-lo fora dos dias de visita a pretexto de cuidar de sua defesa.
Lula sentava-se à mesa com os petistas e discutia estratégias. Animou-se com as chances de Haddad depois dos protestos “Ele não” pelo país. Achava que a rejeição de Jair Bolsonaro (PSL) poderia crescer, e a do PT ir no sentido contrário.
No segundo turno, porém, Lula desanimou quando soube que os marqueteiros petistas haviam decidido descolar a imagem de Haddad da dele. Não houve mais encontros com o presidenciável, e ele viu pela televisão a candidatura de Haddad naufragar.
Quem convive com o ex-presidente na prisão diz que a eleição de Bolsonaro foi o segundo dia mais melancólico para ele, depois da morte do neto. Calculou que, além da derrota política, o resultado das urnas sinalizaria também um longo período na cadeia.
Lula considera, segundo pessoas próximas, que a sua liberdade não depende de questões jurídicas. Diz que só poderá ser solto quando o ambiente político mudar.
O petista foi condenado em primeira e segunda instância no caso do tríplex de Guarujá (SP) e, em primeira instância no caso do sítio de Atibaia (SP). Caso a soma das duas penas seja mantida em 25 anos, ele, que tem 73 anos, poderia ir para o semiaberto após, no mínimo, quatro anos de prisão.
Quando o ministro do STF Marco Aurélio Mello, em dezembro, decidiu derrubar o entendimento da possibilidade de cumprimento de pena após decisão em segunda instância, o que poderia colocá-lo fora da prisão, ele não se animou. Disse aos agentes da PF que aquilo seria revertido no mesmo dia. Foi o aconteceu.
Em julho de 2018, quando o desembargador Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, decidiu conceder liberdade ao ex-presidente, ele chegou a arrumar as malas e ir para o elevador. Mas antes mesmo de descer ao térreo recebeu a notícia de que a decisão fora derrubada.
Diante desses percalços, circulou entre amigos e correligionários que Lula estaria deprimido. Quem o acompanha nega. Diz que o ex-presidente tem raiva, mas não depressão.

Duas semanas após ser preso, ganhou de advogados o livro “A Virtude da Raiva”, escrito por Arun Ghandi, neto do pacifista indiano, que trata de ensinamentos de Ghandi para para canalizar a raiva para ações não violentas.

Mesmo preso e impedido de dar entrevista por decisões judiciais, Lula não abandonou a política. Informa-se sobre cada passo do governo Bolsonaro e avalia como real o risco de o presidente ter o tapete puxado pelos próprios militares do governo.

Lula se informa sobre o ambiente político do país por resumos de publicações da imprensa e informes que seus advogados levam juntos com a papelada de seus processos.

Ele também recebe pendrives onde estão gravadas as reuniões do diretório e da executiva nacional do PT, além de discussões do partido sobre temas como a reforma da Previdência. O ex-presidente os conecta na TV e assiste a tudo antes de conversar com correligionários, como a presidente do partido, a deputada Gleisi Hoffmann.

Na TV, não é só o noticiário que o mantém antenado nos movimentos políticos no país. Ele tem analisado os programas religiosos, sobretudo os evangélicos. Conhece os pastores pelo nome e avalia que eles são protagonistas neste novo momento do país.

Também no ano passado, Lula recebeu pendrives com gravações dos episódios do Presidente da Semana, podcast da Folha que conta a história dos presidentes do Brasil, de Deodoro da Fonseca a Bolsonaro. “Ele gostou muito e está recomendando a todo mundo”, disse o advogado.

Para se distrair, o ex-presidente costuma assistir a novelas e partidas de futebol.

Diz a amigos e parentes que estar preso no Paraná tem uma complicação adicional: no estado passam poucos jogos do Corinthians na TV.
Folhapress

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