BOLSONARO REAGIU À CITAÇÃO DE SEU NOME NO "CASO MARIELLE"
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) reagiu à citação de seu nome na
investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e, em
tom irritado e agressivo, fez uma transmissão em redes sociais na qual
atacou a TV Globo e o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC).
Em viagem à Arábia Saudita, Bolsonaro acordou na madrugada de
quarta-feira (30), noite de terça-feira (29) no Brasil, para responder a
uma reportagem do Jornal Nacional, baseada no depoimento à Polícia
Civil de um porteiro do condomínio onde o presidente tem casa no Rio de
Janeiro.
Segundo a reportagem, o ex-policial militar Élcio Queiroz, suspeito
de envolvimento no assassinato de Marielle e do motorista Anderson Gomes
em março de 2018, disse na portaria que iria à casa de Jair Bolsonaro,
na época deputado federal, no dia do crime. Os registros de presença da
Câmara dos Deputados, no entanto, mostram que Bolsonaro estava em
Brasília nesse dia.
Além de negar envolvimento no assassinato da vereadora, Bolsonaro
chamou o governador do Rio de “inimigo” e ameaçou a não renovação da
concessão da emissora de televisão em 2022.
“Acabei de ver aqui na ficha que o senhor [Witzel] teria vazado esse
processo que está em segredo de Justiça para a Globo. O senhor só se
elegeu governador porque o senhor ficou o tempo todo colado no Flávio
Bolsonaro, meu filho”, disse o presidente.
Segundo ele, o governador do Rio teria vazado essa informação da
investigação porque é pré-candidato à disputa presidencial em 2022 e
estaria empenhado em, segundo ele, “destruir a família Bolsonaro”.
“Deixa muito claro que algo muito errado está neste processo. Eu
gostaria de falar muito neste processo, conversar com esses delegados.
Colocar em pratos limpos o que está acontecendo em meu nome. Por que
querem me destruir? Por que essa sede pelo poder, senhor Witzel?”,
questionou.
Bolsonaro disse ainda que o processo de investigação da morte da
vereadora está “bichado” e ressaltou que uma solução seria que, a partir
de agora, ele fosse supervisionado pelo Conselho Superior do Ministério
Público.
“Agora querer me vincular à morte da Marielle? Não vai colar. Não
tinha motivo para matar quem quer que seja no Rio de Janeiro. Conheci
essa vereadora no dia em que ela foi executada, em 14 de março”, disse.
O PSOL afirmou que tentará audiência com o presidente do Supremo
Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, nesta quarta (30) para tratar do
caso. O partido quer que a corte autorize a polícia a investigar a
menção a Bolsonaro, que tem foro privilegiado em razão do cargo.
Em uma série de críticas, Bolsonaro acusou a TV Globo de querer
infernizar a sua vida e disse que, se a emissora tivesse “o mínimo de
decência”, não teria divulgado detalhes de uma investigação em segredo
judicial.
“Vocês vão renovar a concessão em 2022. Não vou persegui-los, mas o
processo vai estar limpo. Se o processo não estiver limpo, legal, não
tem renovação da concessão de vocês, e de TV nenhuma. Vocês apostaram em
me derrubar no primeiro ano e não conseguiram”, disse.
No Brasil, as emissoras de TV e de rádio funcionam por concessões públicas, que precisam ser renovadas periodicamente.
Bolsonaro já havia feito menção à TV Globo nesta semana. A atual
permissão da emissora vence em abril de 2023. A concessão é renovada ou
cancelada pelo presidente, e o Congresso pode referendar ou derrubar na
sequência o ato presidencial em votação nominal de 2/5 das Casas (artigo
223 da Constituição).
Segundo lei sancionada no governo Michel Temer (MDB), o presidente
pode decidir sobre a concessão até um ano antes de ela vencer —ou seja,
em abril de 2022, último ano do mandato de Bolsonaro.
Em tom exaltado, Bolsonaro chamou ainda de “patifaria” a cobertura
que a emissora faz de seu mandato e disse que é feito um jornalismo
“podre” e “canalha”. Ele chamou ainda a imprensa de “porca” e “nojenta”.
“Não vou conversar com vocês da TV Globo. Temos uma conversa em 2022.
Eu tenho que estar morto até lá. O processo de renovação da concessão
não vai ser perseguição”, disse. “Mas tem de estar enxuto, legal. Não
vai ter jeitinho para vocês, nem para ninguém, essa é a preocupação de
vocês”, acrescentou.
Para ele, o objetivo da emissora de televisão é prender o seu filho e
senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), investigado pelo Ministério Público
do Rio de Janeiro por suspeitas das práticas de lavagem de dinheiro,
peculato e organização criminosa em seu gabinete parlamentar na época em
que era deputado estadual.
“Parem de trair o Brasil. Não estão traindo a mim, não. Estão traindo
o Brasil”, disse. “Não tem dinheiro público para vocês. Vão ficar me
infernizando até quando?”, questionou.
Em relação ao caso Marielle, Bolsonaro afirmou ainda que o porteiro
pode ter assinado o depoimento sem ler. “O que parece? Ou que o porteiro
mentiu, ou que induziram o porteiro a cometer um falso testemunho, ou
que escreveram algo no inquérito que o porteiro não leu e assinou na
confiança. A intenção é sempre a mesma”, afirmou.
Em entrevista à TV Record ainda na noite desta
terça, Bolsonaro voltou a acusar Witzel de ter vazado à TV Globo as
informações sobre o depoimento.
Bolsonaro afirmou que o inquérito da Polícia Civil do Rio de Janeiro
está sendo mal conduzido e que há uma tentativa de criar uma cortina de
fumaça para encobrir a real autoria do crime.
WITZEL CRITICA REAÇÃO DE PRESIDENTE; GLOBO LAMENTA DECLARAÇÕES
A Globo afirmou em nota que lamenta que o presidente demonstre “não
conhecer a missão do jornalismo de qualidade e use termos injustos para
insultar aqueles que não fazem outra coisa senão informar com precisão”.
Disse que “não fez patifaria nem canalhice” e que a mera citação do nome do presidente leva o Supremo a analisar a situação.
“[A reportagem] ressaltou, com ênfase e por apuração própria, que as
informações do porteiro se chocavam com um fato: a presença do então
deputado Jair Bolsonaro em Brasília, naquele dia, com dois registros na
lista de presença em votações. O depoimento do porteiro, com ou sem
contradição, é importante, porque diz respeito a um fato que ocorreu com
um dos principais acusados, no dia do crime.”
Sobre as declarações de Bolsonaro de que renovará em 2022 a concessão
se o processo estiver “enxuto”, a Globo disse que não poderia esperar
do presidente outra atitude. “Há 54 anos, a emissora jamais deixou de
cumprir as suas obrigações.”
O governador Wilson Witzel divulgou nota no fim da noite dizendo
lamentar profundamente a “manifestação intempestiva do presidente” e que
foi “atacado injustamente”.
“Jamais houve qualquer tipo de interferência política nas
investigações conduzidas pelo Ministério Público e a cargo da Polícia
Civil. Em meu governo, as instituições funcionam plenamente e o respeito
à lei rege todas nossas ações. Não transitamos no terreno da
ilegalidade, não compactuo com vazamentos à imprensa”, disse o
governador.
Ele também afirmou que defenderá o equilíbrio e o bom senso nas
relações pessoais e institucionais, como fez nos anos em que exerceu a
magistratura.
O procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro, Eduardo Gussem, disse que as investigações sobre as mortes de Marielle Franco e
do motorista Anderson Gomes continuam a cargo da Delegacia de
Homicídios subordinada à Polícia Civil do Rio. Também afirmou que o
trabalho é acompanhado pelo Ministério Público e tramita sob sigilo.
FOLHAPRESS
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