A proposta de reforma do Código Civil brasileiro reacendeu um debate sensível no direito sucessório: a possível retirada do cônjuge do rol de herdeiros necessários. A mudança consta do Projeto de Lei nº 4/2025, que pretende atualizar mais de 1.100 dispositivos da legislação civil.
Atualmente, desde o Código Civil de 2002, o cônjuge figura ao lado de descendentes e ascendentes como herdeiro necessário, com participação obrigatória na herança. À época, a medida buscava garantir proteção patrimonial ao cônjuge que, em muitos casos, não possuía autonomia financeira.
Com a evolução das relações familiares, o aumento da independência econômica entre os cônjuges e a multiplicação de famílias recompostas, esse cenário passou a ser questionado. Segundo o anteprojeto da reforma, a exclusão do cônjuge como herdeiro necessário atende a demandas sociais, sobretudo nos casos de separação convencional de bens, regime que enfrenta forte rejeição à concorrência sucessória.
Caso aprovada, a alteração não afeta o direito à meação, que permanece assegurado. O cônjuge sobrevivente continuaria com sua parcela dos bens adquiridos durante o casamento, mas passaria a herdar apenas na condição de herdeiro legítimo, sem concorrer com filhos ou pais do falecido.
Na prática, os impactos variam conforme o regime de bens. Em casamentos sob separação de bens, a mudança tende a ter efeito limitado. Já nos regimes de comunhão, especialmente quando há bens particulares, o quinhão hereditário do cônjuge poderá ser significativamente reduzido.
Outro reflexo relevante está nas famílias recompostas. Com a nova regra, filhos de relações anteriores não precisariam dividir a herança com o atual cônjuge do falecido, reforçando a primazia do vínculo consanguíneo no direito sucessório.
A proposta levanta questionamentos importantes sobre o equilíbrio entre autonomia privada, proteção familiar e segurança jurídica. Embora busque alinhar o direito sucessório às transformações sociais, ainda pairam dúvidas sobre seus efeitos práticos e sobre o nível de proteção mínima que deve ser assegurado ao vínculo conjugal.
O debate, portanto, vai além da técnica legislativa e toca diretamente na forma como o ordenamento jurídico brasileiro responde às novas dinâmicas familiares.
Fonte: Consultor Jurídico (ConJur) — artigo de Vitor Bicca.
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